Round 6: O K-Drama que Parou o Mundo
Se tem uma série que causou um verdadeiro boom na cultura pop nos últimos anos, essa série é Round 6 (Squid Game). Criada, roteirizada e dirigida por Hwang Dong-hyuk, a produção sul-coreana estreou em 17 de setembro de 2021 e rapidamente se tornou um fenômeno global. E quando digo fenômeno, não é exagero: a série gerou cerca de 1 bilhão de dólares para a Netflix e acumulou 1,6 bilhão de horas assistidas só nos primeiros 28 dias. Isso mesmo, bilhões!
E o sucesso não ficou só nos números. Round 6 garantiu diversas indicações a prêmios importantes, incluindo o Globo de Ouro, e venceu o People’s Choice Award for Bingeworthy Show of the Year. Era impossível abrir qualquer rede social e não ver memes, teorias e discussões sobre a série.
A Origem de Round 6
O mais curioso? Hwang Dong-hyuk teve essa ideia lá em 2008, durante um período difícil de sua vida, e se inspirou em histórias em quadrinhos japonesas sobre jogos de sobrevivência. Mas sabe o que aconteceu? Nenhuma produtora quis bancar o projeto na época! Ele foi recusado várias vezes antes de finalmente ser aprovado pela Netflix anos depois. E ainda bem que foi, né?
Sobre o que é Round 6?
A história segue Seong Gi-hun, um homem divorciado e afundado em dívidas, tentando sobreviver enquanto enfrenta problemas financeiros, um relacionamento complicado com a ex-esposa e o medo de perder sua filha para outro país. A vida dele parece sem saída... até que ele recebe um convite misterioso para participar de um jogo.
O problema? Esse jogo envolve 456 participantes desesperados competindo por um prêmio bilionário — mas com uma regra mortal: quem perde, morre. Os desafios parecem inocentes à primeira vista, baseados em brincadeiras infantis, mas logo revelam sua brutalidade.
Round 6 é só uma série de sobrevivência?
Definitivamente não! Embora a trama seja eletrizante e cheia de tensão, Round 6 é muito mais do que apenas um drama de competição. A série serve como uma crítica feroz ao capitalismo e à sociedade de desempenho, mostrando como a desigualdade e a luta pela sobrevivência podem levar pessoas a extremos impensáveis.
A ideia de que estamos sempre em uma corrida interminável — onde alguns exploram e destroem os outros para subir na vida — permeia cada episódio. Os personagens enfrentam dilemas morais profundos, e a série nos faz questionar: até onde alguém iria para sobreviver?
Episódio piloto
A série inicia-se com uma cena que expõe de imediato as falhas e dificuldades do protagonista, Seong Gi-hun (Lee Jung-jae). A mãe dele relembra-o de que ele esqueceu o aniversário de sua filha, ao que ele reage com imaturidade, insistindo para que ela lhe conceda mais dinheiro. Diante da recusa, Gi-hun recorre ao furto, apropriando-se do cartão de crédito da mãe para financiar suas apostas em corridas de cavalos.
Seu método de escolha para as apostas revela um detalhe simbólico: ele investe no cavalo número 6 e no cavalo número 8, referências à data de nascimento de sua filha, 8 de junho. O risco, no entanto, compensa momentaneamente, pois Gi-hun recebe um prêmio de 4.560.000 wons (aproximadamente R$18.000). Em um gesto impulsivo, mas revelador de sua personalidade, ele deixa 10.000 wons (cerca de R$40) como gorjeta para a funcionária da casa de apostas.
No entanto, sua sorte logo se esgota. Ao sair do local, ele é abordado por agiotas aos quais deve uma quantia significativa. Desesperado, tenta fugir, mas acaba esbarrando em uma mulher de cabelo curto, derrubando a bebida que ela carregava. Em meio ao confronto, ele se vê encurralado e decide pagar sua dívida com o dinheiro recém-adquirido, apenas para perceber que o montante desapareceu. É nesse momento que ele compreende que a mulher com quem colidiu momentos antes o roubou, deixando-o novamente à mercê de suas dívidas e infortúnios.
Neste momento, Seong Gi-hun atinge o ápice de sua decadência. Todo o dinheiro que havia conquistado fora roubado, a ameaça de perder a sua filha tornava-se cada vez mais concreta, e, em um ato de desespero, ele assinara um contrato de direitos físicos, comprometendo-se a quitar sua dívida dentro de um mês sob a pena de perder um rim e um olho caso falhasse.
Quando parecia que sua situação não poderia piorar, um homem misterioso, vestido elegantemente em um terno (interpretado por Gong Yoo), aborda Gi-hun em uma estação de metrô. Ele o convida a participar de um jogo chamado ddakji, no qual dois jogadores utilizam papéis dobrados para tentar virar o do adversário. Como incentivo, a cada vitória, Gi-hun receberia 100 mil wons (aproximadamente 400 reais na cotação atual), enquanto, a cada derrota, sofreria um tapa no rosto.
Diversas rodadas se sucedem, e os espectadores testemunham Gi-hun sendo repetidamente golpeado até que sua bochecha começa a sangrar. Nesse momento, o diretor explora um aspecto cruel da natureza humana: a maneira como a ganância pode levar as pessoas a abrir mão de sua dignidade. Gi-hun poderia ter interrompido o jogo e saído sem dinheiro, mas com sua integridade intacta. No entanto, ele persiste, aceitando a humilhação e a dor em troca de pequenas quantias em dinheiro.
Ao final, ele deixa a estação não apenas com alguns mil wons no bolso, mas também com um cartão contendo três símbolos geométricos — círculo, triângulo e quadrado. No verso, há um número de telefone que, ao ser contatado, permite sua inscrição em uma competição. Os participantes são informados de que disputarão uma série de jogos infantis em troca de uma grande quantia em dinheiro, sem terem plena consciência das reais consequências dessa decisão.
Gi-hun, com nada a perder, liga para o número.
Ao acordar em um ambiente desconhecido e vasto, Seong Gi-hun se vê em um espaço que mistura o surreal e o ameaçador. O número 456 estampado em seu peito torna-se seu novo identificador, substituindo sua identidade anterior, agora irrelevante em face do jogo mortal em que se encontra. O local onde ele se encontra tem a aparência de um reformatório ou prisão, com camas imponentes e um silêncio perturbador que paira no ar. A estranheza do lugar se agrava quando ele observa que não está sozinho – ele e mais 455 pessoas estão ali, todos em iguais condições, sem saber o que esperar.
O ambiente é austero, com paredes frias, sugerindo que os participantes não estão ali para desfrutar, mas para se submeter a um processo impessoal e desumano. O jogo já começou, e com isso, a iminente sensação de ameaça. Os participantes são, em sua maioria, estranhos entre si, mas a curiosidade de Gi-hun o faz começar a observar com mais atenção as figuras ao seu redor.
Logo, ele conhece algumas das pessoas ao seu lado, e uma variedade de histórias e emoções começa a emergir das interações deles. O velhinho número 001, Oh Il-nam (interpretado por Oh Yeong-Su, com um semblante frágil e um sorriso gentil, desperta um misto de simpatia e compaixão em Gi-hun. Entre os outros, ele encontra Kang Sae-Byeok (Hoyeon Jung), número 067, a mulher que o havia roubado anteriormente na casa de apostas. Abdul Ali (Anupam Tripathi), número 199, um imigrante paquistanês. Por fim, Cho Sang-woo (Park Hae-soo), número 218, um antigo colega de Gi-hun.
Cho Sang-woo é um homem cuja trajetória parecia destinada ao sucesso. Graduado na prestigiada Universidade Nacional de Seul (SNU) e reconhecido como um dos mais brilhantes de sua geração, ele é o orgulho da pequena comunidade onde cresceu. Para aqueles que o conhecem, sua presença nos jogos soa como um enigma — como alguém tão promissor e bem-sucedido poderia ter chegado a esse ponto?
Antes do início das competições, os participantes são instruídos a assinar um contrato que estabelece três cláusulas fundamentais:
(1) Os jogadores devem competir no jogo.
(2) Os jogadores serão eliminados caso parem de competir.
(3) Os jogos serão interrompidos caso a maioria dos jogadores decida desistir.
Embora, à primeira vista, essas cláusulas possam parecer simples, elas carregam implicações profundas e perturbadoras.
A primeira regra estabelece uma obrigação inescapável de participação, enquanto a segunda sugere consequências severas para aqueles que não continuarem – uma escolha de palavras deliberadamente vaga, ocultando a verdadeira natureza da "eliminação". Já a terceira cláusula introduz um aparente senso de agência, dando aos jogadores a ilusão de que podem recuperar o controle de seus destinos caso cheguem a um consenso coletivo.
Então, o primeiro jogo tem início. Os participantes são conduzidos por guardas vestidos com uniformes cor-de-rosa e máscaras pretas, cada uma marcada com um dos três símbolos geométricos: círculo, triângulo ou quadrado.
O primeiro desafio apresentado aos competidores é um jogo infantil aparentemente simples: Batatinha Frita 1, 2, 3. Entretanto, a realidade logo se revela brutal. Qualquer jogador que se mover após o comando de parada não é simplesmente desclassificado, mas sim eliminado de maneira letal.
Essa primeira prova estabelece a natureza cruel e implacável dos jogos, deixando claro que a única saída é seguir as regras e lutar pela sobrevivência a qualquer custo.
Durante a demonstração do jogo, uma figura encapuzada remove sua máscara, revelando-se como o Frontman (Lee Byung-hun). Em uma cena carregada de simbolismo e mistério, ele observa atentamente o desenrolar do jogo enquanto saboreia um copo de uísque, ao som de uma versão feminina de Fly Me to the Moon, tocando em uma vitrola.
A estrutura hierárquica dos guardas, revelada ao longo da temporada, segue a seguinte ordem:
Círculos: Funcionam como ajudantes, responsáveis por tarefas operacionais básicas e proibidos de falar.
Triângulos: Atuam como atiradores, encarregados de eliminar jogadores que descumprem as regras.
Quadrados: São os superiores diretos dos guardas, garantindo que a execução dos jogos ocorra sem falhas.
Frontman: Está no topo da cadeia, supervisionando todos os aspectos da competição e assegurando que as diretrizes sejam cumpridas à risca.
Após Seong Gi-hun ser salvo por Abdul Ali, que o segurou no último momento e impediu sua eliminação, a tensão no campo de jogo atingiu seu auge.
Quando o cronômetro se aproxima do fim, Gi-hun, ainda tremendo após seu quase fatídico deslize, cruza a linha de chegada nos últimos segundos. Ele sobrevive – mas agora entende que está preso em um jogo onde a vida humana tem um preço alarmantemente baixo.
O episódio encerra com um plano impactante: a arena do jogo, agora silenciosa após o caos, é lentamente coberta pelo teto que se fecha, ocultando o massacre ocorrido momentos antes.
A câmera foca nos jogadores que conseguiram cruzar a linha de chegada, alguns ainda ofegantes, com expressões que variam entre choque, alívio e terror absoluto. Eles mal conseguem processar o horror do que acabaram de testemunhar.
Logo atrás deles, jazem os corpos daqueles que falharam, empilhados no chão como meros obstáculos descartáveis. O contraste entre os sobreviventes e os eliminados reforça a natureza cruel da competição e estabelece o tom sombrio da série.
A câmera se afasta lentamente, deixando no ar uma pergunta inevitável: quem serão os próximos a cair?
Após o caos que envolveu o primeiro jogo e a dramática sobrevivência de Seong Gi-hun, a tensão no campo de jogo dá lugar a uma atmosfera de reflexões sombrias e desconfortáveis. A sequência de eventos deixa claro que a linha entre vida e morte é tênue e instável, e que as escolhas dos jogadores são, muitas vezes, questões de sorte ou pura sobrevivência. Ao escapar por pouco, Gi-hun não só se vê mais próximo de um futuro incerto, mas também começa a compreender a verdadeira natureza do jogo que está prestes a enfrentar. Contudo, sua luta está longe de ser apenas física. A série, ao aprofundar-se em sua jornada e nas motivações que o impulsionam, revela uma profundidade que transcende a simples busca pela sobrevivência
Como o episódio contribui para a história geral?
O episódio piloto de uma série tem a função essencial de introduzir sua premissa, personagens e tom geral, servindo como um teste para avaliar sua viabilidade junto à produtora e ao público. Ele pode não seguir necessariamente a ordem cronológica da narrativa e, em alguns casos, funcionar como uma prévia de eventos que ocorrerão posteriormente na trama. Sua principal finalidade é demonstrar o potencial da obra e determinar se a produção completa será aprovada para continuidade.
Um exemplo notável de como uma cena pode ser utilizada para despertar o interesse do público ocorreu no filme Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa. No trailer oficial, há um momento emblemático em que o Doutor Octopus, personagem originalmente apresentado na franquia Homem-Aranha 2 (2004), surge dizendo a icônica frase: "Olá, Peter." Esse momento não foi incluído aleatoriamente, mas sim como parte de uma estratégia de marketing cuidadosamente planejada.
A aparição do personagem gerou grande comoção entre os fãs, alimentando especulações e aumentando a expectativa para o filme. Esse tipo de artifício demonstra como a indústria do entretenimento emprega elementos estratégicos para engajar o público e garantir uma recepção positiva antes mesmo da estreia oficial da produção.
No caso de Round 6, o protagonista Seong Gi-hun é introduzido de maneira a evidenciar sua condição de indivíduo socialmente e economicamente marginalizado. Desde o primeiro episódio, ele é apresentado como uma figura decadente, caracterizada por escolhas impulsivas e comportamento irresponsável. Gi-hun não corresponde ao arquétipo tradicional de herói; ao contrário, sua trajetória inicial o posiciona como um "perdedor" – um indivíduo cujas ações e circunstâncias o colocam em contraste com a idealização de um protagonista virtuoso.
Mas como a série desperta o interesse do público sendo que Seong Gi-hun é um personagem tão esquecível e irrelevante?
A chave para o sucesso de Round 6 e o despertar do interesse do público, apesar de Seong Gi-hun ser um personagem inicialmente "esquecível" e "irrelevante", reside na maneira como a série constrói sua narrativa e explora a complexidade de seu protagonista.
Embora Gi-hun não corresponda aos arquétipos tradicionais de herói, sua representação de um indivíduo falido e marginalizado cria uma sensação de identificação com muitos espectadores. Ele é um reflexo das dificuldades e desafios da vida real, especialmente no contexto de uma sociedade altamente competitiva e capitalista. Sua falibilidade e imperfeições tornam-no mais humano, permitindo que o público se conecte emocionalmente com sua jornada.
Portanto, é justamente a transição de um personagem aparentemente irrelevante para um sujeito em um cenário de altíssima tensão e desesperança que gera o fascínio, refletindo as complexidades da sociedade moderna, onde até os mais falidos e derrotados podem ser empurrados a tomar medidas extremas para alcançar a sobrevivência ou uma forma de redenção.
No entanto, em um drama, a capacidade do público de se relacionar com o personagem se sobrepõe à necessidade de torná-lo simpático. Ainda que Gi-hun demonstre comportamentos questionáveis, como o vício em apostas e a dependência financeira da mãe idosa, sua complexidade psicológica e as dificuldades que enfrenta no cotidiano criam um vínculo de identificação com os espectadores.
Diferentemente de protagonistas heróicos convencionais, que frequentemente exibem traços de coragem e retidão moral, Gi-hun representa um indivíduo fragilizado pelas adversidades do sistema socioeconômico em que está inserido. Ele não se destaca por virtudes inabaláveis, mas por sua humanidade falha e sua luta para sobreviver em um ambiente que constantemente o empurra para a derrota. Essa abordagem narrativa permite que o público acompanhe sua jornada não apenas como uma história de superação, mas como um reflexo das pressões e desafios enfrentados por muitos na sociedade contemporânea.
A história dele é uma representação da luta interna que muitas pessoas enfrentam ao tentar preencher as lacunas em suas vidas em relação a coisas essenciais, como segurança emocional, autoestima e realização pessoal. Vamos detalhar como essas necessidades se manifestam na vida de Gi-hun.
Necessidades Fisiológicas (Base da Pirâmide): No início de Squid Game, Gi-hun já tem algumas dessas necessidades atendidas. Ele tem comida e abrigo, mas a sua vida financeira está em ruínas. Embora ele tenha acesso a alimentos e um teto, suas necessidades básicas estão em risco devido à sua dívida e à falta de estabilidade. Ou seja, enquanto ele não está em uma situação de fome extrema ou desabrigado, sua segurança financeira e emocional ainda são extremamente instáveis.
Necessidades de Segurança: A segurança, tanto física quanto psicológica, é uma necessidade importante para Gi-hun. Ele não tem estabilidade financeira, vive com medo de ser cobrado pelos credores e tem uma relação desgastada com a filha e a ex-esposa. Ele não sente que está em um ambiente seguro e controlado, e sua vida parece ser uma constante luta por sobrevivência. Sua jornada no jogo começa como uma tentativa desesperada de garantir essa segurança através do prêmio em dinheiro.
Necessidades de Amor e Pertencimento: Uma das principais motivações de Gi-hun é sua busca por amor e pertencimento, especialmente no que diz respeito à sua relação com a filha. Ele está afastado dela e deseja desesperadamente reconquistar seu afeto e respeito. A falta de uma conexão verdadeira e segura com a filha o deixa em uma posição emocionalmente vulnerável. Além disso, ele se encontra em situações de solidão durante os jogos e, mesmo formando amizades com outros jogadores, como Sang-woo e Ali, essas relações estão frequentemente moldadas pela necessidade de sobrevivência, o que impede que ele tenha uma verdadeira sensação de pertencimento ou conexão emocional genuína com os outros.
Necessidades de Estima: A autoestima de Gi-hun está profundamente abalada. Ele se sente como um fracasso, tanto como pai quanto como homem, devido às suas dívidas, erros passados e dificuldades em encontrar um propósito. Ele não se vê como digno de respeito ou sucesso. O tratamento que recebe dos outros, como sua mãe e ex-esposa, reforça esse sentimento de inferioridade e vergonha. Esse estado de baixa autoestima é um obstáculo central para ele.
Necessidades de Autossuperação: Em relação à autossuperação, Gi-hun enfrenta uma grande luta interna. No início, ele não se vê como alguém capaz de mudar sua situação ou se superar. Ele busca apenas uma solução para os problemas imediatos, como o dinheiro.
Gi-hun é um personagem complexo que reflete muitas das lutas internas que as pessoas enfrentam na busca por significado e satisfação na vida. Sua jornada é marcada pela busca por amor, autoestima e autossuperação, o que torna sua história acessível e emocionalmente envolvente para o público. A maneira como ele tenta lidar com a perda, a solidão e a necessidade de mudança o torna um personagem profundamente humano, com o qual muitos espectadores podem se identificar, mesmo que suas circunstâncias externas sejam diferentes.
No episódio piloto, o tema central desta série é resumido apropriadamente durante os primeiros segundos.
O esboço deste jogo também é o logotipo principal da série. O motivo: ele ilustra perfeitamente a filosofia central do Round 6 e, por extensão, a elite. O retângulo representa as massas. O círculo na parte inferior representa aqueles que são pobres e muito endividados. O triângulo acima do retângulo representa a elite governando as massas. O círculo superior representa a elite oculta todo-poderosa que controla o mundo.
Apropriadamente, o narrador explica que as crianças que jogam Squid Game devem chegar ao círculo superior para vencer. Quando isso acontece, o narrador diz:
"E, naquele momento, senti como se fosse dono do mundo inteiro."
No início da série, o protagonista principal está claramente no círculo inferior da sociedade. Ele rouba dinheiro de sua mãe e foge das pessoas obscuras a quem deve dinheiro.
A simbologia dos números já insinua a estrutura cíclica de exploração imposta pela elite. Seong Gi-hun aposta exatamente 4.560.000 won em corridas de cavalos, um número que antecipa seu destino no jogo e reflete sua posição como o jogador 456. Esse número não é apenas uma coincidência, mas um indício de como sua vida já está imersa em um sistema de apostas, onde ele próprio se torna uma peça em um jogo muito maior.
Assim como Gi-hun arrisca seu dinheiro na esperança de um golpe de sorte, aqueles que assistem ao Squid Game fazem o mesmo – mas, ao contrário dele, apostam em algo ainda mais cruel: vidas humanas. A elite que financia o jogo vê os participantes da mesma forma que Gi-hun vê os cavalos das corridas – meros competidores cujo destino é decidido pelo acaso e pelo entretenimento de quem está no topo. Esse paralelo reforça a ideia central da série de que, dentro de um sistema capitalista extremo, os marginalizados não são apenas explorados, mas também transformados em espetáculo para a diversão daqueles que controlam as regras do jogo.
Essa dinâmica já se manifesta quando Gi-hun é abordado pelo recrutador e experimenta, pela primeira vez, o jogo da elite. Ao vencer uma rodada do ddakji, seu primeiro impulso não é pegar o dinheiro, mas retribuir os tapas que levou – uma reação visceral, quase primitiva, que reflete a violência do próprio sistema no qual está inserido. No entanto, o recrutador o impede e lhe estende o prêmio, forçando-o a escolher entre sua raiva e a recompensa monetária. Por um breve instante, Gi-hun se vê envolvido na lógica sádica da elite, saboreando a dominação sobre o outro. Essa cena prenuncia não apenas sua participação no jogo mortal, mas também sua transformação ao longo da série, culminando em sua decisão final, onde ele precisará escolher entre vingança ou manter sua humanidade.
O ambiente onde os jogos acontecem remete ao projeto MKULTRA, uma série de experimentos ilegais conduzidos pela CIA durante a Guerra Fria com o objetivo de manipulação mental e lavagem cerebral. Assim como os indivíduos submetidos a essas práticas, os jogadores do Squid Game são despojados de sua identidade, reduzidos a meros números e obrigados a participar de um sistema onde cada escolha já foi previamente calculada para mantê-los sob controle. Este projeto também inspirou a série Stranger Things, da mesma empresa que Round 6.
O design do espaço reflete essa manipulação. Antes de cada jogo, os participantes atravessam um labirinto de escadas inspirado nas obras de M.C. Escher, evocando um estado constante de desorientação.
Esse cenário não apenas desestabiliza os jogadores psicologicamente, mas também os infantiliza, reduzindo-os a peças de um sistema que os vê como descartáveis.
Essa infantilização se intensifica nos próprios campos de batalha: playgrounds coloridos que evocam a inocência da infância, mas que, no contexto do jogo, se tornam arenas de assassinatos em massa. A ironia brutal do cenário reforça a ideia de que a elite não apenas despreza a inocência, mas a corrompe deliberadamente, criando um mundo onde a única saída é jogar conforme suas regras – ou ser eliminado.
Hwang Dong-hyuk incluiu a música Fly Me To The Moon em “Batatinha Frita 1, 2, 3” porque ele queria um contraste entre a matança brutal dos jogadores no jogo e as "letras e melodias românticas e bonitas" da música, de modo que a cena "incorpore a sociedade capitalista cada vez mais polarizada em que vivemos hoje de uma forma muito comprimida e cínica". A música tem um elemento arejado e até mesmo alegre, baseado em suas letras carregadas de romantismo, e acrescenta uma camada de desconforto e justaposição fascinantes à cena.
Corpos mortos são colocados em caixas pretas assustadoras com laços nelas. Um presente de sacrifício humano para a elite.
Os corpos são incinerados em instalações de tamanho industrial. Considerando o fato de que a elite é obcecada com o despovoamento global, cada morte é um "presente".
No primeiro episódio, Gi-hun presenteia sua filha com um embrulho que, à primeira vista, lembra os sinistros caixões pretos adornados com laços rosa usados para descartar os jogadores eliminados. Esse detalhe sutil, mas inquietante, é um dos muitos exemplos de prenúncio ao longo da série. Quando a menina abre o presente, descobre que se trata de um isqueiro em forma de arma, um objeto que simboliza a violência iminente que tomará conta da narrativa.
Essa cena antecipa não apenas as incontáveis mortes por armas de fogo dentro do jogo, mas também sugere um ciclo inevitável de destruição. O próprio funcionamento do isqueiro – produzindo fogo – pode remeter à incineração dos corpos dos jogadores eliminados, reforçando a brutalidade do sistema. Além disso, o fato de Gi-hun, um homem já esmagado pelo desespero e pela precariedade, dar esse presente à sua filha ecoa um dos temas centrais da série: como a exposição à violência e ao desespero não começa nos jogos, mas faz parte de uma sociedade moldada pela crueldade da elite, mesmo que acidentalmente.
A série apresenta uma teoria das cores onde cada tonalidade carrega um significado simbólico, representando diferentes papéis dentro da hierarquia dos jogos. As cores não são escolhidas ao acaso, mas sim para reforçar visualmente a dinâmica de poder, controle e sobrevivência. A interação entre essas cores revela as conexões entre personagens e conceitos-chave da narrativa, destacando como o sistema manipula os indivíduos dentro do jogo.
Cores frias, como azul e verde, são proeminentes nos uniformes dos competidores, que são uma mistura verde-azulada que enfatiza a luta deles pela sobrevivência. Essas cores também se conectam com associações culturais: o azul, na cultura coreana, simboliza juventude e esperança, enquanto o verde geralmente representa natureza, vida ou morte. O traje dos jogadores, preso entre o verde e o azul, transmite visualmente sua existência precária, aprisionada entre as forças opressivas dos soldados e os manipuladores, invisíveis, poderes superiores. A iluminação em algumas cenas, particularmente nos aposentos dos guardas, usa o azul e o verde para enfatizar a atmosfera sombria e desolada.
O vermelho representa a opressão e a violência, particularmente através dos uniformes dos soldados cor-de-rosa, que são intencionalmente projetados para evocar uma mistura de agressão e passividade. A hierarquia dos soldados é simbolizada pelas suas máscaras (círculo para trabalhadores, triângulo para reforçadores e quadrado para gerentes), e o uso do magenta cria uma dissonância entre sua agressão e a aparência aparentemente inofensiva. O sangue, nas suas formas de vermelho brilhante ou vermelho escuro, se destaca nos momentos de violência, muitas vezes representando a brutalidade dos jogos
O amarelo, por exemplo, carrega significados contrastantes, desde traição e engano (associado a Judas) até vitalidade e felicidade. A cor também acentua a crueldade particular.
O preto está associado aos superiores, simbolizando morte e corrupção, enquanto o branco, frequentemente ligado à pureza, inocência e morte, evoca uma sensação etérea e sobrenatural no show.
No primeiro episódio de Squid Game, o cenário de "Red Light, Green Light" começa a estabelecer a dualidade entre a infância e a brutalidade do jogo. As paredes altas do pátio falso, com a boneca assustadora e a aparência de um playground, contrastam fortemente com a violência que se segue, sublinhando a crítica à sociedade. A boneca, que à primeira vista parece algo inocente de uma brincadeira infantil, se torna um elemento fatal, refletindo como o sistema dentro do jogo manipula a inocência para esconder a morte iminente. Esse contraste entre o cenário aparentemente inocente e a brutalidade que ocorre a cada erro dos jogadores introduz o tema central da série: o sistema que explora os participantes, reduzindo-os a peças descartáveis, enquanto coloca a infância como uma fachada para a violência e o controle.
A série, em seu início, te guia para um caminho realista, apresentando Gi-hun como um personagem comum, endividado e desesperado, lutando para sobreviver no sistema capitalista. A narrativa se baseia em questões sociais muito reais, como desigualdade econômica e a luta pela sobrevivência em um mundo impiedoso, onde a estrutura de poder parece intransponível. A ambientação inicial, com Gi-hun em sua rotina diária, reflete o peso das dificuldades cotidianas de muitos, e o contraste entre a vida real e o mundo do jogo, que se revela mais tarde, acentua a transição de um cenário plausível para um distópico. Assim, a série começa com uma sensação de normalidade, preparando o terreno para a revelação do absurdo e da crueldade do jogo, que, embora exagerado, ressoa com a realidade das disparidades sociais e da exploração humana.
Ao momento que a série vai ganhando mais "cor", ela passa a se distanciar da realidade imediata e mergulha em um universo mais surreal e simbólico. O contraste entre o cotidiano de Gi-hun e os jogos infantis, mas violentos, que começam a tomar forma, amplifica a sensação de desconforto e distorção. O uso de cores vibrantes e cenários que remetem à infância, como o pátio do primeiro jogo, é intencional, sublinhando a ironia de um ambiente de pura violência disfarçado de inocência.
A segunda e mais significativa função do design do cenário em Squid Game é provocar uma questão sobre o que é real e o que não é. Ao considerar os limites deliberadamente visíveis dos vários cenários, como as armações metálicas e as pinturas pretas que retratam o destino dos jogadores, a série cria uma atmosfera que, embora visualmente inóspita, é também altamente teatral.
Esse contraste não só emoldura a residência fria dos participantes, mas também serve como um lembrete constante ao público de que tudo ali é encenação — um palco onde a luta pela sobrevivência é apenas mais um espetáculo para os olhos atentos da elite. O cenário, em sua artificialidade gritante, estabelece uma atmosfera claustrofóbica, que se torna ainda mais contraditória quando comparada às cores vibrantes e ao estilo arquitetônico aberto, criando um desconforto deliberado que desafia o espectador a refletir sobre o que é genuíno e o que é manipulação dentro do contexto da narrativa.
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