Relíquias da Morte parte 2 no Cinema: As Diferenças que Enfraqueceram o Final

    


    Na minha opinião, este Harry Potter e as Relíquias da Morte pt.2 se destaca como uma das melhores entradas na saga Harry Potter. David Yates entregou uma produção sólida, mesmo que eu ainda tenha minhas críticas ao que ele fez em “A Ordem da Fênix”. Aqui, dá pra reconhecer que ele se preocupou com os detalhes e fez boas escolhas visuais. Ainda assim, por mais que eu entenda as limitações de tempo — afinal, transformar um livro tão grande em um filme de duas horas exige cortes — tem diferenças que realmente incomodam. E não só por serem diferentes do livro, mas porque, em muitos casos, tiram o peso emocional de cenas cruciais ou apagam nuances que tornam a história mais rica.

    Um exemplo que me marca até hoje é a morte de Dobby. No livro, aquele momento é visceral. Harry insiste em enterrá-lo à mão, sem magia, como sinal de respeito. É uma cena pequena, mas de um simbolismo enorme. No filme, ela existe, mas parece apressada. A profundidade do luto e a importância daquele gesto desaparecem na pressa de avançar para a próxima cena. E isso acontece mais de uma vez. 

    Por exemplo, quando Hermione toma a Poção Polissuco para se transformar na Bellatrix, no livro, a tensão cresce porque ela continua com a própria voz. No filme, a dublagem muda completamente, o que facilita a farsa e diminui a sensação de perigo — além de tirar da Emma Watson a chance de brilhar nesse momento.

    Outros cortes ferem a construção dos personagens. No livro, Lupin aparece no Chalé das Conchas para contar que seu filho nasceu e convida Harry para ser o padrinho. É um gesto que fecha o ciclo dos dois de forma linda e afetiva, algo que o filme simplesmente ignora. 

    O mesmo acontece com Harry, quando é ele quem sugere libertar o dragão em Gringotes. Mas no filme, a ideia sai da boca de Hermione. Pequenos detalhes assim vão, pouco a pouco, apagando a força dele, o PROTAGONISTA.

    E mesmo em momentos de ação, há perdas. No cofre dos Lestrange, por exemplo, no livro, Hermione usa um feitiço para levitar Harry e evitar que ele encoste nos objetos amaldiçoados. Já no filme, Harry se atira por cima dos cálices multiplicadores numa cena puramente visual, que ignora a inteligência estratégica deles. 

    E quando o trio retorna a Hogsmeade, no livro, eles usam a Capa da Invisibilidade, como sempre fizeram por segurança. Mas no filme, vão expostos, sem lógica nenhuma. Nesse mesmo momento, o livro nos apresenta ao irmão do Dumbledore, Aberforth, que dá ao trio uma nova perspectiva sobre o passado da família. No filme, essa revelação vem de forma mais direta, ignorando toda a crítica à mídia construída no livro com a jornalista Rita Skeeter e seu livro sensacionalista.

    A batalha final também sofre grandes alterações. No livro, os alunos menores de 17 anos são evacuados, porque ninguém quer que crianças morram em batalha. No filme, todos ficam, o que cria um impacto visual bonito, mas desconecta a narrativa da lógica dos personagens. 

    E há mudanças mais graves, como a origem do diadema de Corvinal: no livro, foi escondido pelo próprio Tom Riddle, o que reforça sua manipulação e frieza; no filme, a história muda para a Dama Cinzenta, tornando o objeto quase folclórico. A morte da Nagini, então, é completamente antecipada. No livro, ela morre no clímax da luta entre Harry e Voldemort. No filme, é derrotada antes mesmo de Harry revelar que está vivo, tirando parte do suspense da batalha.

    O duelo final, inclusive, é muito mais potente nos livros. Lá, ele acontece no Salão Principal, diante de todos, onde Harry expõe a verdade e derrota Voldemort à vista de testemunhas, encerrando o ciclo de opressão com justiça. 

    No filme, a luta é isolada, quase íntima, o que diminui o impacto coletivo da queda de Voldemort. E talvez a mudança mais simbólica e frustrante: no livro, Voldemort morre como qualquer ser humano, caído no chão, derrotado. Isso reforça a grande lição da história — ele nunca foi um deus, nunca foi imortal. Era apenas um homem, consumido pelo medo da morte. No filme, ele vira pó, como se fosse uma entidade mística, como se ainda fosse mais que humano mesmo no fim. É o oposto do que o livro tenta ensinar.

    Por fim, o destino da Varinha das Varinhas. No livro, Harry a usa para consertar sua antiga varinha e a devolve ao túmulo de Dumbledore. Um gesto de humildade e respeito. Já no filme, ele simplesmente a quebra e joga fora — sem peso, sem cuidado, sem o simbolismo que aquele objeto carregava. E isso me parece tão fora do tom que o personagem construiu até ali.

    Eu entendo que filmes precisam de ritmo, e que nem tudo cabe em tela. Mas essas mudanças não são apenas cortes — são decisões criativas que mudam a mensagem da história. Mesmo assim, é impossível não se arrepiar vendo Neville empunhar a espada da Grifinória, ou ouvindo a trilha tocar nas cenas finais. A mágica continua ali, mesmo com todas as perdas. Mas talvez o que me incomoda tanto seja justamente isso: saber o quanto mais forte ela poderia ter sido se tivessem confiado um pouco mais no livro.

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